Em entrevista, produtores falam do processo criativo de Lost

Em bela entrevista concedida a Mike Ryan do blog Vulture da New York Magazine, os produtores de Lost falam sobre o processo criativo da série, comentam sobre a desnecessária polêmica envolvendo a dúvida se eles já tinham tudo planejado desde o início, da marcante cena entre Sun e Jin no episódio 6×14, da duração estendida do episódio final, do melhor final de série que já viram e muito mais.

Leia mais…

    O episódio dessa terça, 11 de maio nos EUA, ‘Across the Sea’, vai se focar nos dois misteriosos chefões da ilha, Jacob e o homem de preto. Na expectativa, o Vulture conversou com os dois chefões de Lost, Damon Lindelof e Carlton Cuse. A dupla respondeu algumas perguntas de leitores do blog, comentou sobre a meia hora extra que a ABC anunciou para o final da série, explicou porque Jin não deixou Sun mesmo tendo uma filha, e deram uma dica de que Lost pode não estar totalmente encerrada depois do final. Pera aí, como é que?

    A ficha já caiu de que a produção da série acabou?

    Carlton Cuse: Não. Embora já tenhamos feito o corte definitivo, ainda estamos trabalhando muito na pós-produção. Estamos falando com você pelo telefone porque estamos indo para o estúdio onde Michael Giacchino vai gravar toda a trilha para o final com uma orquestra ao vivo. Além disso, ainda temos muito trabalho e efeitos visuais para finalizar. Só acho que a ficha vai cair mesmo no dia 24 quando tudo estiver terminado.

    Conte para nós. Não teve nenhum momento na festa de encerramento em que alguém um pouco mais empolgado pela bebida tenha gritado, ‘Vamos fazer a 7ª temporada!’ e tenha sido saudado?

    Damon Lindelof: (Risos) Ainda não ficamos bêbados o suficiente.

    Quer dizer então que vocês estão prontos para seguir em frente.

    Cuse: Acho que estávamos preparados para o fim da série há um bom tempo. Nós temos certeza que essa foi a decisão certa. Estamos preparados para isso. Certamente haverá um período de lamentação quando tudo tiver sido dito e feito. É engraçado: há um material especial para o DVD/Blu Ray no qual outros produtores discutem como é a sensação de encerrar uma série. Há uma entrevista com Stephen Cannell (Esquadrão Classe A, O Super-herói Americano, O Homem da Máfia) em que ele conta que mesmo tendo produzido algo em torno de 42 séries, jamais conseguiu terminar uma sequer do jeito que queria. Somo muito gratos pela oportunidade de poder acabar tudo do jeito que gostaríamos. Acredito que essa seja a emoção, pelo menos nesse momento, que supera as demais.

    O episódio dessa terça-feira, Across the Sea, se foca em Jacob e no homem de preto. Quando esses dois personagens foram concebidos?

    Lindelof: Nós precisávamos começar falando sobre o arco geral da mitologia da ilha numa escala maior entre o final da 1ª e o início da 2ª temporada, quando então vimos os personagens entrarem na escotilha. Esse evento basicamente puxou outros grandes arcos daquele segundo ano, que foram: quem eram os Outros e quem era o líder deles? E de quem ele recebia suas instruções? Quando a série entrou na 3ª temporada, começamos a ouvir referências a esse personagem chamado Jacob. Portanto penso que seja seguro dizer que essa discussão começou ali.

    Vocês acham que alguns fãs vão ficar decepcionados quando descobrirem que nem tudo estava planejado desde o primeiro episódio?

    Cuse: Penso que a resposta para isso surgiu a partir do momento em que anunciamos uma data para o fim e as preocupações se foram. Não consigo imaginar que existam tantos autores que consigam planejar absolutamente tudo com antecedência. Nós temos certeza que a série seria pior se tivéssemos simplesmente seguido em frente sem plano nenhum. O processo criativo não se resume a um só momento. Você faz descobertas ao longo do caminho e tem revelações criativas na jornada. Sim, realmente ajuda muito caminhar na direção de um ponto específico, mas ao longo dessa viagem, você tem que e permitir que as ideias aflorem, ganhem força e cresçam. Foi assim que fizemos a série: tínhamos um rascunho de algumas ideias e algo mais específico sobre outras. Ao longo de seis anos, tudo ficou mais rico porque passamos todo aquele tempo pensando sobre a série e pensando sobre como fazer a série ser melhor.

    Ao contrário de alguém como Gerge Lucas, que ainda hoje diz que tinha todo arco da saga Star Wars na cabeça quando estava filmando o primeiro filme. Mesmo as entrevistas mais antigas dele provam que isso não é verdade.

    Lindelof: É mesmo. Outra coisa sobre o assunto é que nós nunca tivemos a presunção ou a audácia de tentar planejar tudo com muita antecedência, porque nós sequer sabíamos se o público iria querer outra temporada de Lost. Quando anunciamos na 3ª temporada que iríamos encerrar tudo após seis anos, se as pessoas tivessem odiado a 4ª temporada não teríamos nem mesmo chegado à 5ª. Você tem que se focar no que está na sua frente. Se J.K. Rowling estivesse pensando apenas no sétimo livro enquanto escrevia o terceiro, ela não teria conseguido escrevê-lo. Você meio que tem que dizer, ‘Ei, temos uma boa ideia para esse personagem chamado Jacob e seu inimigo, o homem de preto, mas é melhor não colocar essa ideia para o público antes de estarmos realmente preparados para começar a contar esse capítulo da história. Vamos fazer referências a ela, porque a temos em mente. No meio tempo, esse capítulo da história vai mostrar a ilha se movendo no tempo e é com isso que os personagens vão lidar. Se você coloca Jacob e o homem de preto naquela história, as pessoas enlouqueceriam.

    Se estívessemos num avião que caiu, certamente lembraríamos do número do voo. Nos flash sideways dessa temporada, o Oceanic 815 não caiu, mas todos parecem se lembrar do número do voo. Se alguém perguntasse para mim se eu estava no voo Delta 4367 há duas semanas atrás eu não saberia responder. Vocês chegam a se lembrar do número do voo que embarcam?

    Cuse: Sabe, o engraçado disso é que geralmente voávamos para o Havaí no mesmo horário de sempre. Portanto, sim, nós íamos no United 81 e voltávamos no United 82. O que é realmente mais curioso é quando as pessoas nos reconhecem sentados no avião. Ninguém fica muito feliz por estarmos no mesmo voo. O último voo que Damon e eu tivemos para o Havaí foi o pior de todos que tivemos. Foram duas horas e meia de terríveis turbulências e nós pensávamos: ‘daria uma história e tanto se esse avião caísse em algum ponto do Pacífico, mas não queremos que isso aconteça.’

    No episódio 14, por que Sun não disse ao Jin para deixá-la para trás para que pudesse ter a chance de criar a filha deles?

    Lindelof: É uma boa pergunta. E nossa única resposta para ela é que Sun só teve cerca de 30 segundos para processar o fato de que ela iria morrer. Sun e Jin nunca tiveram um relacionamento juntos com a filha. Sun teve essa oportunidade, mas para Jin ela foi só uma foto registrada numa máquina. Naquele momento, ela não disse ao Jin para que a deixasse. Parcialmente, naquele momento talvez tivesse uma parte dela que quisesse que ele ficasse com ela. Quem sabe? Nós não vamos dizer porque os personagens não dizem certas coisas em determinados momentos. Tudo que podemos dizer é: ela não disse isso. Nós não queremos que aquela cena seja sobre a filha deles, queríamos que ela fosse sobre os dois juntos.

    Foi anunciado que o final seria estendido em meia hora, totalizando um período de exibição (que inclui intervalos) de duas horas e meia. Isso partiu de vocês ou da emissora?

    Cuse: Damon e eu escrevemos o roteiro e o pessoal da emissora gentilmente comentou que ele estava grande demais. E nós meio que dissemos, ‘não, não, fiquem tranquilos porque vamos conseguir comprimir tudo ali.’ A verdade é que realmente escrevemos o roteiro do jeito que queríamos que ele fosse. Normalmente na televisão, você tem que basear sua decisão seguindo uma diretriz irrestrita – que no caso correponde ao período de um episódio. Nós realmente meio que decidimos, ‘melhor não nos preocuparmos muito com isso, vamos apenas escrever a melhor versão do final e aí a gente descobre o que fazer com relação ao tempo.’ E aí quando finalmente vimos um corte da coisa toda, concluímos que a coisa não ficaria boa se tivesse que ser condensada num período de duas horas. Fomos à emissora e dissemos, ‘querem saber? Vocês tinham razão, o resultado ficou um pouco maior do que imaginávamos e acreditamos que podemos entregar uma versão muito melhor se tivermos duas horas e meia’. Eles nos apoiaram totalmente, modificaram o cronograma para que tívessemos duas horas e meia na grade. Nós estamos bem empolgados com isso. Acreditamos que o final será bem melhor assim. O resultado vai realmente parecer o de um filme.

    Temos algumas perguntas dos leitores da Vulture. TheChesse quer saber se há muitas perguntas que vocês ouvem muito dos fãs que gostariam que não fossem mais feitas.

    Lindelof: Bem, você sabe, todo mundo pode fazer a pergunta que quiser. Mas… é complicado ter que responder pela 50ª vez algo como ‘Quando vocês estabeleceram isso? Quando chegaram à essa conclusão?’ A ideia de ter que explicar nosso processo criativo numa larga escala para que as pessoas possam parar e dizer, ‘ah, então era isso que elas já sabiam quando fizeram o Piloto e isso o que não sabiam’, meio que tira a mágica e corta a diversão que tivemos no processo. Isso faz a gente se sentir numa audiência do Senado em vez de podermos dizer, ‘Ei, estamos fazendo o melhor que podemos para tornar a série o melhor possível’, num período curto de tempo à princípio e é só. E não importa quantas vezes nós respondamos essa pergunta, porque sempre vai aparecer alguém dizendo que acha que estamos tentando enrolar.

    Bem, desculpe então pela pergunta que fiz antes sobre Jacob, o homem de preto…

    Lindelof: Não, o que quero dizer é que é esse tipo de coisa que as pessoas querem saber.

    Like_shootin_fish_in_a_barrel e Pennywise sentem que os personagens femininos não são mais tão fortes como eram nas primeiras temporadas.

    Cuse: Particularmente não ouvi nada nesse sentido. Acredito que quando estiver terminado, teremos dado aos personagens o melhor que podíamos. Nós tratamos dos personagens como personagens. Nós não pensamos muito se é um masculino ou feminino. Pensamos sobre o que o personagem quer. Sentimos, que principalmente para Kate, o resto de sua jornada na série é algo realmente muito bom. Ela é meio que a personagem feminina principal, portanto esperamos que essa crítica se desfaça quando a série acabar.

    Ntlzaglostie815 vai comemorar o aniversário de 30 anos com uma festa inspirada em Lost e quer saber se vocês e o resto do elenco vão aparecer por lá.

    Cuse: (Risos) Qual é o endereço?

    Ela não disse. Acho que vocês não vão poder ir sem saber onde fica.

    Lindelof: Vai depender se vão servir pizza.

    Chiyork pergunta se há personagens que vocês se arrependem de ter matado.

    Cuse: Bem no começo da série, tínhamos aqueles dois personagens do acampamento da praia – do grupo que chamávamos de camisas vermelhas – e um deles se chamava Steve e o outro Scott. Acho que nos arrependemos de tê-los chamado assim, porque nunca conseguíamos lembrar quem era quem. E não conseguíamos lembrar qual matamos e qual estava vivo. Podemos não nos arrepender por ter matado Scott ou Steve – seja lá qual for que tenhamos matado, já que eu não lembro -, mas deveríamos ter chamado o outro com um nome que não começasse com S.

    Annetay sabe que algumas perguntas serão deixadas sem resposta. Há alguma pergunta deixada sem resposta que vocês gostariam de ter respondido?

    Lindelof: Respondemos todas as perguntas que queríamos responder. Nossa regra sempre foi responder as perguntas que eram importantes para os personagens na série. Se Jack, Sawyer, Hurley, Locke e Kate não se importam… Não é que não nos importemos, ou que ignoremos que os fãs tenham curiosidade, mas nós simplesmente não respondemos. Dito isso, possivelmente teremos algumas perguntas que, serão respondidas no corpo da série ainda que não apareçam no final. E isso é tudo o que podemos dizer sobre isso agora…

    Há episódios na trajetória de Lost que pegaram vocês de surpresa por conta da reação dos fãs?

    Cuse: Acho que basicamente estivemos sempre em sintonia com a reação dos fãs. Reconhecemos que episódios como ‘Stranger in a Strange Land’ não são bons. Acho que o único episódio que tivemos uma opinião divergente foi mesmo o ‘Expose’, aquele centrado em Nikki e Paulo. Nós adoramos aquele episódio e haviam fãs que – mesmo tratando a série com reverência – não suportaram e o odiaram. Portanto, meio que ocorreu uma divisão de opiniões naquele episódio poque nós realmente o adoramos. Mas foi de certa forma, um episódio em que rompemos a barreira no sentido em que já reconhecíamos que o público havia odiado Nikki e Paulo.

    Quais são os finais de série favoritos de vocês?

    Lindelof: O nosso final, talvez?

    Ok, um que já tenha sido exibido…

    Cuse: Vou falar primeiro e comentar sobre Sopranos. Damon e eu conversamos muito sobre ele. Ao passo em que reconheço que ele dividiu opiniões, The Sopranos foi uma série existencial e que teve um final existencial perfeito. Não terminaríamos a nossa série daquela forma, mas admiramos o fato de David Chase ter optado por uma escolha ousada que, para nós, pareceu ser a mais certa para encerrar aquela série. E eu admiro o fato de que ele tenha sido arriscado.

    Lindelof: Acredito que Carlton realmente fale por nós dois sobre The Sopranos, e eu provavelmente falo por nós dois quando escolho o final de M*A*S*H. Lembro do evento que foi o final de M*A*S*H pois assisti com meus pais e nossos vizinhos foram à nossa casa. E foi aquela coisa incrivelmente emocional – meus pais chorando. Não só pelas coisas que aconteceram no episódio em si e que eram tristes, eles choravam porque a série estava acabando. Aquela foi uma sensação muito diferente daquela de The Sopranos, que realmente não teve o apelo emocional; era arte de grande categoria. À medida em que o final de Seinfeld é algo bem diferente do de Cheers, o que realmente é, eles buscaram emoção. Quando Sam desliga a luz, você deveria sentir algo. Nós realmente admiramos o momento em que o helicóptero decola, você olha para baixo e vê um ‘adeus’ – como um desses momentos icônicos da televisão. Mas, de certa forma, ela estava rompendo barreiras e dizendo ao público, ‘nós estamos nos despedindo de vocês também’. Aquilo foi uma cena realmente muito linda.

    Vamos torcer para que as pessoas sintam o mesmo no dia 23 de maio.

    Lindelof: Deus te ouça!

Artigo anteriorMatthew Fox conta o que achou do final de Lost
Próximo artigoEp. 6×15 “Across the Sea” – Streaming ao vivo

9 COMENTÁRIOS

  1. Final de Anos Incríveis (Wonder Years) foi, sem dúvida, uma das coisas mais emocionantes de todos os tempos…

    Enfim, encomoda os caras perguntarem pra eles quando eles planejaram as coisas… Porque queira sim queira não, eles passsaram 5 anos mentindo falando que as principais coisas estavam planejadas desde o começo, quando na verdade, não estava coisa nenhuma

    Só pegar como exemplo o Jacob e o MiB, que eles pensaram na terceira temporada, e que são o pilar de tudo isso que estamos vendo

    Ou seja: Nitidamente, a primeira e segunda temporada foram se desenvolvendo… Depois disso, eles pegaram o que os fãs acharam interessante e relevante, e fizeram a quarta, quinta e sexta.

    Fato é que, não são tão geniais assim os caras, só pegaram a repercussão do público e criaram uma série em cima do que gostariam de ver… E o que não deu pra explicar (porque não dava pra se encaixar nisso), ficou pra trás e paciência.

    Sério, gosto pra cacete de Lost, encaro atualmente (desde a Season 5) como excelente entretenimento gratuito, mas não passa disso mesmo…

  2. Vejam bem, naõ estou dizendo, em hipótese nenhuma, que Lost não é uma boa série… Lost é uma excelente série… O que eu quero dizer é que ela não é 100% honesta com seu público… Se admitirmos que os caras não sabiam sobre o Jacob e o MiB, é coerente dizer que não sabiam:

    – Como o Locke voltou a andar
    – Porque o pai do Jack aparecia fora do caixão

    – O que era a fumaça preta

    E por aí vai…

    Isso não faz de LOST uma série ruim, de jeito nenhum… Lost é um excelente seriado, mas os caras não deveriam ter mentido por 5 temporadas falando que sempre souberam de tudo, e chegar agora na última, e falarem que não estavam com as coisas planejadas

    ————————–
    Parabéns ao Dude pela excelente cobertura!!!

  3. Nunca entendi por que tanto ódio pelo episódio Stranger in a Strange Land. Não é nada demais, mas também não é ruim. Ruim é The other woman, episódio da quarta temporada em que o flashback mostrou que o Ben teve uma quedinha pela juliet. Isso sim foi péssimo!

    Acho que a série teve seus deslizes (como relacionar o comportamento terrorista dos Outros nas primeiras temporadas com as boas intenções que jacob expressou ter na conversa que ele teve com o alpert? Afinal depois dessa conversa o tripulante do black rock virou o representante dos ensinamentos de jacob, mas permitiu todas as atrocidades que que Ben cometeu contra os candidatos a novo protetor da ilha.)

    No entanto, achei sensacional o rumo que a história tomou e o saldo de Lost é pra lá de positivo! Os caras merecem os parabéns! Só espero que o final seja bacana.

DEIXE UMA RESPOSTA

Envie seu comentário!
Escreva seu nome aqui